Tina Descolada e Cadeira Voadora na Praça do Comércio, em Lisboa

Tina Descolada e eu assistindo ao pôr do sol na Praça do Comércio. 

(Foto de Marta Alencar)


 [Como prometido por mim, as postagens sobre Portugal serão abertas com poemas de Sophia.]

A minha pátria é onde o vento passa, /  A minha amada é onde os roseirais dão flor, /  O meu desejo é o rastro que fica das aves, /  E nunca acordo deste sonho e nunca durmo. / Pirata, p. 25 | Sophia de Mello Breyner Andresen



Tina Descolada* e eu nos conhecemos há quase dois anos. Para ilustrar esse encontro, minha amiga Marta Alencar propôs uma reflexão baseada no mito de Ícaro. Diz ela:

“As relações humanas acontecem em meio a erros e acertos. As pessoas com deficiência, desde os primórdios, sofrem as consequências das dificuldades na interação social, como a discriminação e o preconceito. Esses valores culturais promovem um tipo de aprisionamento, como no labirinto de Creta. Contudo, o inerente espírito de busca de bem-estar e liberdade, um acerto, move os seres humanos.

Como buscar a saída desse tipo de aprisionamento? Assim como no mito de Ícaro!

‘Dédalo pensava em um modo de escapar da prisão, junto com seu filho. Percebeu que não teria como fugir nem por terra nem pelo mar, pois ambos eram dominados pelo rei Minos. Começou então a reunir as penas que caíam dos pássaros que sobrevoavam a prisão e com elas pretendia construir asas, pois apenas os céus não estavam sob o domínio do rei. Laboriosamente fez dois pares de asas, unindo as penas com cera de abelha…’

As asas são o símbolo da criatividade e do potencial humano. Assim, nas cadeiras voadoras voamos com asas imaginárias, em busca de experiências que estão além das que o corpo físico proporciona no cotidiano. A experiência humana é repleta de tropeços e sucessos, mas, com a inspiração extraída da realidade, podemos alçar voos em direção à grande liberdade interior, que nos traz infinitas possibilidades.” 


Amigas do <3 

(Foto de Marta Alencar)


Continuando a reflexão proposta por Marta, acrescento que as asas das cadeiras voadoras, ao contrário daquelas de Dédalo e Ícaro, não são unidas com cera de abelha; por isso, não há risco de, ao buscarmos voar em direção ao sol, a cera derreter. As penas de nossas asas estão fortemente aderidas com a cola das experiências que adquirimos.

Muitas pessoas com deficiência nem ousam sonhar com a possibilidade do voo, atemorizadas diante das restrições impostas por seus corpos limitados e pela sociedade ainda excludente. Contudo, há também as que acolhem o sonho, testam os próprios limites e os expandem. Essas pessoas mostram que é possível sonhar e, com criatividade e persistência, materializar o sonho de aventura, autonomia e liberdade.


Pôr do sol às margens do Tejo: um sentimento 

de reverência e de profunda conexão com a vida toma conta de tudo... (Foto de Marta Alencar)



Tina pertence ao reino da fantasia e do sentimento. Ela não quer ser modelo para ninguém, quer ser ponte. No reino do qual ela faz parte, tudo é possível; na vida real, cada um de nós fará o que estiver a seu alcance para materializar os próprios anseios.

Tina e eu há muito tempo temos os corações parceiros, e essa parceria não foi construída; foi descoberta, em longas conversas regadas a amor pela vida. Nós temos isso de sobra, assim como entusiasmo e alegria que se renovam sempre.

Nosso encontro em Lisboa surgiu de uma “coincidência”. Sem combinar nada, ambas marcamos viagem para Portugal e nós encontramos lá, na Praça do Comércio, um local emblemático. Sabe por quê? Arquitetonicamente, ela é um espaço “vazio”, contornada pelos monumentos, pelo rio Tejo, comunicando-se com a cidade pelo belo arco onde começa a Rua Augusta. Representa a entrada para a cidade, a confluência de povos e culturas, um espaço de união.


Tina exercita as asas... (Foto de Marta Alencar)


 

A vastidão da Praça do Comércio (Foto de João Martins)


Praça do Comércio


Como este é um blog de viagem, falarei um pouco mais sobre esse marco turístico de Lisboa.

É um espaço muito especial, porque vai sendo descortinado aos poucos, à medida que descemos a Rua Augusta, passando pelo belo arco triunfal. A visão do Tejo traz mais encanto para a paisagem – aquela imensidão de água que conduz para a cidade os mistérios do mar, que fica logo ali, bem perto.

Muita gente na Praça do Comércio para ver o pôr do sol. Tina e Marta à direita. 

(Foto tirada por mim)



A praça é ampla, cercada por prédios com arquitetura que atrai olhares. Pedriscos dificultam um pouco a circulação com a cadeira, mas há faixas de piso pavimentado com pedra, que podem ser usadas por nós como trilhas.

Em volta, vários restaurantes, com espaço interno e externo, para você comer ou bebericar algo enquanto admira o entorno e observa os passantes.

Sob a chuva, na Praça do Comércio, o Tejo ganha um ar de mistério 

(Foto de Ulysses Martins)



Caminhe ou rode um pouco até encontrar a rampa que dá acesso ao deque para o Tejo. Que belo pôr do sol vimos ali! Fotos, por melhores que sejam, dificilmente conseguem transmitir a experiência desse momento. Mas esperamos que elas tragam ao menos um pouquinho de doçura – e dos mistérios do Tejo – para você!


Tanto faz se for chuva ou sol -- a Praça está sempre bonita. 

(Foto de João Martins)


Para saber mais:


*Tina Descolada não é a Barbie, apesar da confusão que algumas pessoas fazem… Ela é uma agente de inclusão, criada pela psicóloga Marta Alencar a partir da boneca Becky, do fabricante Mattel. Para saber mais, acesse o site da Tina: http://tinadescolada.wordpress.com/


O descontentamento com a realidade pode ser o motor para encontrar saídas criativas e produtivas. O programa "Pra Mudar o Mundo", da TV Horizonte, apresentou uma edição com Tina Descolada. Clique aqui para ver:


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