A educação e o cartão de crédito

Queremos ter acesso às máquinas leitoras 
de cartão de crédito!


Não dá pra esperar que as pessoas entendam as nossas necessidades se não as comunicarmos com clareza. Eu sei que há quem pense diferente, mas, do alto dos meus mais de 40 anos bem vividos, cheguei à conclusão de que não devo esperar isso nem mesmo das pessoas que amo e que me amam.

Aprendi essa lição a duras penas. Minha mãe foi a pessoa que mais dificuldade teve de aprender a colocar a cadeira de rodas no porta-malas do meu carro... Até hoje ela tem dificuldade de empurrar minha cadeira, embora não tenha nenhuma para me ajudar em várias outras necessidades relacionadas à deficiência física. Meu padrasto – pessoa boníssima e distante de qualquer tipo de egoísmo – me jogou no chão ao subir um meio-fio comigo. Isso mesmo: elevou a cadeira como se ela fosse um carrinho de pedreiro e ele quisesse despejar o conteúdo. Num dia de chuva, uma amiga me alertou para que saísse do carro “correndo”, para não estragar a chapinha. Eu nunca fiz chapinha, e nem tenho como sair correndo... Coisas da vida. Ponto. Seres humanos são seres humanos.

Faço essa reflexão porque, nas duas últimas semanas, passei por um conjunto de situações desafiadoras para um cadeirante. Vieram em pacote. Algumas têm origem na ganância de comerciantes, no individualismo de certos “cidadãos”, mas outras podem ser decorrentes de ignorância. E esta pode ser resolvida com educação.

Talvez eu esteja sendo ingênua, mas prefiro acreditar que não. Educar o público para as necessidades de categorias discriminadas é útil e necessário. E aqui estou eu tentando fazer isso, ao menos para fazer a minha parte por um país mais amigo das pessoas com deficiência.

Vamos aos fatos.

Pressuposto: cadeirante tem direito de pagar a conta com cartão de crédito.

Vocês devem estar pensando: a Laura surtou. É claro que tem direito.

Símbolo de acesso: apenas decoração?
Ah, é? Então por que alguns comerciantes estão com o infeliz e infernal hábito de fixar a maquininha do cartão de crédito no alto do balcão??? E não raras vezes o tal balcão tem, ao lado, um mais baixo, com sinal de acessibilidade, que nunca é usado...

Bem, voltando aos fatos. Está lá a máquina, no alto do balcão. Eu estendo o cartão, a moça o insere na engenhoca. A seguir, comunica: “Pode digitar a senha”. Eu tento tirar a máquina do suporte; ela não sai. Pergunto à moça, com cara de boba: “E agora?”

Já aconteceu algumas vezes. A maioria delas no supermercado, quando eu paro a fila e espero calmamente que os funcionários resolvam o problema. Sim, porque o problema é deles, e não meu. Se eles aceitam cartão de crédito, é contra a lei recusar o meu.

Bem, até ontem, todas as vezes apareceram com uma maquineta portátil, e eu digitava minha senha. Fim da história.

Mas ontem a história foi diferente. Num cinema de BH, que frequento, localizado em um shopping sofisticado, me preparo para puxar a máquina e digitar a senha, como fiz todas as vezes em que comprei entrada ali. A máquina não saía do lugar!!! Perguntei à moça o que fazer. Ela conversou com um rapaz, que parecia seu superior, talvez o gerente. Ele me perguntou: “Não tem alguém para digitar a senha para você?” Meu sangue fez bolhinhas. Será que ele confiaria a senha dele a alguma outra pessoa?

Tentei ser cortês e respondi que não, eu estava sozinha. Questionei o símbolo de acesso pintado no balcão. “Por que colocam esse símbolo se não tem acesso?” Ele respondeu que colocam porque o cinema disponibiliza elevador. A-hã. Símbolo de acesso no balcão baixinho = elevador.

Fiz cara de paisagem, como sempre, e perguntei como iriam resolver o problema. Bem, me deixaram entrar sem pagar, e a moça da recepção ainda me deu o melhor sorriso do mundo, como quem diz: se não resolvem de um jeito, que resolvam de outro.

Mas não seria melhor que entendessem que, na cadeira de rodas, nossa estatura é menor? Que não alcançamos os altos balcões? Que precisam, devem utilizar o balcão mais baixo, que já existe em vários lugares? Para que serve, então, o balcão mais baixo com o símbolo de acesso desenhado? Para enfeitar?

Para finalizar: não, nossa cadeira de rodas não tem elevador. Não, não temos como digitar a senha nas maquininhas fixas, que ficam no alto do balcão. Sim, queremos pagar com cartão. Sim, o direito é igual para todos. Não é assim que está na nossa “Constituição cidadã”? Ou ela é cidadã só no nome?


Comentários

  1. Parece brincadeira né Laura, as pessoas ainda olham para nossa cara como quem espera um milagre e a pessoa se levante para alcançar o maldito balcão. Sou um pouco mais alto e costumo alcançar, mas mesmo assim já passei por isso também. O que me revolta é colocarem o símbolo de acessibilidade sem de fato pensarem nela, observando o que é preciso para tornar o lugar acessível. Mas brigando, um dia a gente chega lá! Beijos

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    1. É isso mesmo, Sam. Um dia a gente chega lá! Beijos!

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  2. Em nosso país a acessibilidade não encontra só os obstáculos "físicos",ou, "estruturais". Tem também o obstáculo educacional! Quando o funcionário falou sobre o símbolo no balcão mais baixo tratar-se de indicativo do elevador, acredito que na verdade ele( ou muitos outros) nem sabe do que se trata!!!Estive em um resort e minha filha estava de muletas, com "bota" de gesso devido a uma torção. Perguntei na recepção se sabiam de algum local para alugar. O gerente e o recepcionistas disseram que iam se informar . Só que, quando dei o sinal para o mensageiro que poderia pegar as malas, ele que estava afastado e nem ouviu a conversa, quando viu minha filha , perguntou" A senhora quer uma cadeira de rodas para menina? Nós temos aqui no guarda-malas..." !!!!!!! :S Ou seja: às vezes ATÉ tem a acessibilidade,o que não tem, é educação/treinamento do pessoal do local pra informar (ou disponibilizar)isso!!!!!!!!

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    1. Pois é, Vivi. Vc tem razão. E a falta de treinamento é algo generalizado, infelizmente. Beijos!

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  3. Gostei da sua atitude, Laura, de insistir em querer pagar ! "cara de paisagem" é a posição mais educada nessas horas de "ignorância alheia". Bjs!

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    1. Mas nem sempre a gente consegue, ou pode, ser educado, né? Quando o desrespeito é flagrante, e quando noto que não é por falta de esclarecimento, minha atitude é bastante diferente... De qualquer modo, procuro administrar as emoções para não perder nem a cabeça nem a razão! =)
      Bjks

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  4. Laura, que tal fazermos uma "caravana de cadeirantes" e ir ao tal cinema?
    Se doer no bolso eles abaixam a maquininha, pode ter certeza!

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    1. Boa ideia! Vou ligar pra lá segunda-feira e ver se já tomaram alguma providência. Caso contrário, em marcha!

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  5. Todo dia brigo por isso também, principalmente em postos de gasolina que nao possuem a bendita maquina sem fio. O pior é quando o atendente nem sequer se levanta da sua cadeira para tentar aproximar a máquina de você. Isso é o que mais me enerva.

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    1. Eduardo, só abasteço em postos que têm máquina sem fio, ou pelo menos cujo fio estica até o carro... Já pergunto quando chego, antes de abastecer. Mas, em geral, abasteço sempre no mesmo posto!

      Abração!

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